Apagão: como gerir os sistemas em situações de crise?

Na passada quarta-feira, dia 28 de maio, data que marcou um mês do apagão vivido na Península Ibérica, decorreu a sessão "Apagão! Engenharia Eletrotécnica e de Computadores na primeira linha da resposta à crise!". Esta conversa, moderada pelo professor Pedro Carvalho, docente do Departamento de Engenharia Eletrotécnica e de Computadores (DEEC), Coordenador da Área Científica de Energia, e investigador do INESC-ID, teve como objetivo esclarecer algumas dúvidas em relação ao funcionamento da rede elétrica em Portugal e explicar de que forma foi gerida a situação de crise por parte da e-Redes, da NOS e do próprio Instituto Superior Técnico. O painel de oradores foi composto por Pedro Terras Marques, responsável pela gestão de sistema e operações da e-Redes, Luís Santo, responsável pela comunicação por rádio da NOS, e Fernando Mira da Silva, atualmente professor do DEEC, e antigo vice-presidente do Técnico para as Tecnologias de Informação e Comunicação.

A sessão teve início com uma breve reflexão, por parte dos estudantes, sobre as aplicações da engenharia eletrotécnica e de computadores e a apresentação do moderador.

Aquilo que aconteceu foi um fenómeno de instabilidade: o sistema teve oscilações e as oscilações fizeram com que as proteções tenham, em cascata, atuado.

Pedro Carvalho, docente do DEEC e investigador do INESC-ID

Começando pelo blackstart (o reestabelecimento de energia elétrica), Pedro Carvalho destacou o condicionamento da dimensão do apagão: a gestão do sistema torna-se mais complexa à medida que a escala da avaria aumenta. Neste sentido, foi colocada a questão de que forma a situação foi gerida pela e-Redes e que outros problemas surgiram em consequência da imprevisibilidade e da extensão do apagão. Pedro Terras Marques explicou que a empresa, responsável por garantir a distribuição de energia, gere com alguma frequência avarias de baixa e média tensão, ou seja, ocorrência em que existe o fornecimento de energia na vizinhança e que a normalidade é retomada rapidamente. "Uma preocupação dos engenheiros é garantir que antes de destruir o ativo se consegue garantir se consegue interromper o defeito, com proteções, e normalmente o defeito é resolvido localmente (...). Isto é o dia-a-dia", complementou Pedro Carvalho. Já o sistema de alta tensão é mais estável. No entanto, a empresa possui um plano de emergência para situações de crise, que foi colocado em prática no dia 28 de abril: "em particular o cenário de blackout era treinado", referiu Pedro Terras Marques. Como exemplo, o engenheiro destacou a simulação de determinadas avarias, incluindo a interrupção de centros de operação, e o treino regular da comunicação via satélite, algo veio ser a ser utilizado durante o apagão.

Pedro Terras Marque e Pedro Carvalho, da esquerda para a direita

Sendo confirmado o apagão, foi necessário reestabelecer a energia de uma forma "muito lenta e controlada" através de estações de arranque autónomo - que não dependem da rede. Foram formadas ilhas, incluindo apenas alguns clientes, devido à necessidade da ligação ser constituída por cargas baixas para evitar a sobrecarga do sistema e um novo apagão, como consequência. Após a ligação de 3 ilhas, o processo começou a acelerar, mas sempre de forma sequencial e de acordo com as indicações da REN.

No setor das telecomunicações, Luís Santo, explicou que, à semelhança da e-Redes, existe um plano de subsistência e uma equipa responsável por situações de crise: "a rede de telecomunicações está pensada para sobreviver a um blackout, ou apagão, durante três dias." Destaca que, primeiramente, foi necessário entender o problema e perceber de que forma podia ser mantida a autonomia dos sistemas durante o maior período de tempo possível. Tendo em conta que a rede móvel é constituída por várias frequências de rede móvel, que alimentam diferentes serviços como o 5G, foram desligados, gradualmente, os sistemas de maior consumo energético.

Fernando Mira da Silva e Luís Santo, da esquerda para a direita

Relativamente à gestão do apagão nas tecnologias e informação do Técnico, Fernando Mira da Silva explicou que, quando começou a exercer funções no centro de informática, já existiam sistemas de backup, que atualmente funcionam à base de sistemas redundantes, nos campus da Alameda e do Taguspark, com apoio de um gerador, cuja autonomia está prevista para cerca de 60 horas. Para explicar os sistemas de redundância, o professor referiu que, inicialmente, o Técnico estava indiretamente ligado ao gerador da FCCN - serviços digitais da FCT – Fundação para a Ciência e a Tecnologia, através da Universidade de Lisboa. No entanto, após esta ligação falhar, o Técnico manteve o funcionamento normal através de uma segunda ligação, desta vez direta à FCCN. Posteriormente, manteve a sua própria autonomia, sem a necessidade de abdicar de quaisquer serviços na Alameda, através de um gerador próprio, que é testado mensalmente para estes cenários.

Pedro Carvalho, Fernando Mira da Silva e Luís Santo, da esquerda para a direita

Nós vivemos completamente interligados do ponto de vista elétrico. (...) É perfeitamente normal que um problema que aconteça na Lituânia se reflita em Portugal porque os fenómenos se propagam.

Pedro Terras Marques, responsável pela gestão de sistema e operações da e-Redes

Outro facto apontado, durante a sessão, foi o de não existir um sistema português elétrico isolado: a rede está ligada a Espanha, que, por sua vez, faz a conexão da Península Ibérica à europa, através de França. "Não existe uma fronteira entre Portugal e Espanha a não ser na operação. A rede é a mesma, não é possível estar imune à rede espanhola, assim como a rede espanhola não consegue estar imune ao que acontece na rede de França e vice-versa", referiu Pedro Carvalho. Pedro Terras Marques acrescentou ainda o motivo pelo qual o país, no dia do apagão, estava a importar energia de Espanha: devido à elevada produção de origem fotovoltaica, os preços eram mais reduzidos, ou seja, a decisão derivou da procura de soluções de menor custo de mercado e não devido à impossibilidade de autonomia portuguesa.

Em conclusão os oradores falaram um pouco sobre a perspetiva futura, referindo a importância da aposta em sistemas mais seguros e eficientes, vendo este fenómeno como uma oportunidade para melhorar os diferentes sistemas. A sessão contou igualmente com a participação de estudantes, que colocaram as suas dúvidas sobre o tema.

Penso que isto foi uma situação que nos permitiu a todos, operadores de telecomunicações, operadores de energia mas também a todos os sistemas- hospitais, câmaras... -verificar em tempo real o que é necessário e aprender a partir da experiência e ver o que se pode melhorar.

Luís Santo, responsável pela comunicação por rádio da NOS

Tópicos: