Professor João Francisco Borges da Silva

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Nota Bibliográfica

João Francisco Borges da Silva nasceu em Lisboa em 10 de maio de 1934 e faleceu, na mesma
cidade, em 10 de dezembro de 2021.

Entre 1945/1946 e 1951/1952, frequentou o Liceu Nacional de Pedro Nunes onde terminou o Terceiro Ciclo Alínea f) com a classificação de 17 valores.
Ingressou no IST em 1952/1953 onde obteve todos os seu graus e títulos em Engenharia Eletrotécnica:

  • Licenciatura, em 1957/58, com a média final de 18 valores, tendo obtido, nesse ano, o Prémio Marconi destinado ao aluno mais classificado nas cadeiras de Telecomunicações e Eletrónica Aplicada;
  • Diplomado pelo IST, em 1961, com a classificação de 19 valores atribuída pelo júri que incluía os Professores Carlos Ferrer Moncada e Manuel Abreu Faro;
  • Doutoramento, em 1971, com a classificação de 20 valores. A dissertação de doutoramento “Amplificação Paramétrica em Estruturas Periódicas” foi a primeira concluída em Engenharia Eletrotécnica em Portugal, tendo a respetiva prova sido requerida pelo então Engenheiro Borges da Silva em 28 de fevereiro de 1969. Do júri da prova pública da discussão da dissertação fizeram parte os Professores António Maria Godinho (Vice-reitor da UTL), Luís Aires de Barros (Subdiretor do IST), Francisco Correia Velez Grilo, da Faculdade de Engenharia da Universidade do Porto, António da Silveira, António Franco Carrisso, Jaime Rebelo Pinto, Edgar Mesquita Cardoso, Décio Santos Tadeu, Manuel Abreu Faro, António Carvalho Fernandes, Luciano de Faria, Bernardo Herold, Manuel da Costa Lobo, Jaime Campos Ferreira, António Sales Luís e por autorização especial, Carlos Ferrer Moncada, entretanto jubilado, todos do IST. De acordo com o Decreto-lei 388/70, de 18 de agosto, as provas de doutoramento incluíram, para além da discussão pública da dissertação, duas outras sessões públicas para Discussão de dois pontos sobre temas estritamente relacionados com matérias do grupo de disciplinas afins a que corresponde o doutoramento, sendo esses temas sorteados entre quinze propostos pelo júri. Os dois temas em questão foram “Polarização estabilizada de transístores: Aplicações”, discutido com o Professor António Carvalho Fernandes, e “Propagação de ondas eletromagnéticas em meios indefinidos homogéneos, lineares e isotrópicos. Aplicação na análise e interpretação do caso dos plasmas frios”, discutido com o Professor Manuel Abreu Faro.



Por proposta do Prof. Carlos Ferrer Moncada, submetida pelo IST, e despacho favorável do então Mistério do Ensino Superior e Belas Artes, ingressou, por necessidade urgente de serviço, na carreira docente universitária no IST - onde permaneceu até à sua jubilação em 2004 - como 2º Assistente além do Quadro em 1956 (foto à data) das disciplinas de Eletrónica, Eletrotecnia Teórica, Medidas Elétricas e Laboratório de Eletricidade, tendo sido encarregue pelo Conselho Escolar do IST da Regência das três primeiras por diversas vezes a partir de 1958/1959. Em 1959, passou a 2º Assistente do Quadro e, em 1961, após a obtenção do Diploma pelo IST, a 1º Assistente do Quadro. Em janeiro de 1971, passa a Professor Auxiliar além do Quadro e, com a jubilação do Prof. Ferrer Moncada, assume a responsabilidade de todas as cadeiras da Licenciatura em Engenharia Eletrotécnica a cargo da então Seção de Eletrotecnia Teórica e Medidas Elétricas que, com a entrada em vigor da Reforma Veiga Simão, eram Eletróncia I e Eletrotecnia Teórica I, do 1º semestre do 3º ano, Eletrónica II e Eletrotecnia Teórica II, do 2º semestre do mesmo ano, e Medidas Elétricas I e Medidas Elétricas II respetivamente do 1º e 2º semestre do 4º ano. Em dezembro de 1972, ganha o concurso para Professor Extraordinário de Eletrotecnia Teórica e Medidas Elétricas, lugar criado em agosto de 1970, mas não provido até então. Em julho de 1976 obtém a nomeação definitiva como Professor Extraordinário e, e julho de 1980 requer, ao abrigo do disposto no disposto no Estatuto da Carreira Docente de 1979, a promoção a Professor Catedrático do Quadro, tomando posse em dezembro de 1983.



Testemunho do aluno e colega Pedro Manuel Brito da Silva Girão
O Professor Borges da Silva foi o orientador do meu doutoramento e, sobretudo, a pessoa que mais influenciou e contribuiu não só para a minha formação como engenheiro, académico e investigador, mas, também, como pessoa. Pessoa muito austera, sóbria e exigente, era um homem de convicções, de princípios, de valores, de sim ou não, não sendo capaz de grandes cedências ou compromissos, o que lhe granjeou o respeito de alguns - entre os quais me incluo - e a indiferença ou antagonismo daqueles que não se reviam nas suas posições; todos, porém, o respeitavam não só por isso, mas, também, e talvez especialmente, pela excelência do seu conhecimento técnico-científico e da sua cultura.

O Prof. Borges da Silva foi a pessoa mais culta que conheci e com quem tive o privilégio de conviver durante mais de 30 anos - desde que entrei em 1973, a seu convite, para Monitor da então Secção de Eletrotecnia Teórica e Medidas Elétricas (SETME) do também à data Departamento de Engenharia Eletrotécnica, até à sua jubilação em 2004. Comunicador de excelência, com uma capacidade invulgar de se expressar com enorme clareza e conhecimento sobre os mais variados assuntos, relembro, com imensa saudade as conversas que tivemos, particularmente na década de 1980, quando, após cumprir serviço militar obrigatório em 1977-78, retomei a minha atividade, em exclusividade, como Assistente, e iniciei, em 1980, o meu trabalho de doutoramento.
Discípulo do Prof. Carlos Ferrer Moncada - que não tive o prazer de conhecer, uma vez que se jubilou no ano letivo 1969-1970, ano em que entrei para o IST - dele herdou não só a responsabilidade da gestão da SETME e das cadeiras da sua responsabilidade, mas, principalmente, a forma de abordar o ensino e investigação da escola suíça-alemã trazida para a SETME por Ferrer Moncada, que havia obtido o seu doutoramento em 1935 na ETH, em Zurique. A escrita de vetores utilizando letra gótica, seguramente presente na memória de todos os que foram alunos do Prof. Borges da Silva, era, talvez, a manifestação mais visível da fidelidade a essa escola e cultura.
No ano letivo 1970-71, meu segundo ano no IST, as Licenciaturas passam a ser de 5 anos com funcionamento semestral e não anual, como anteriormente. A Eletrotecnia Teórica, a Eletrónica e as Medidas Elétricas passaram a ser 6 disciplinas semestrais (ETI, ETII, EI, EII, MEI, MEII), as quatro primeiras do 3º ano e as Medidas Elétricas do 4º ano. Todas essas disciplinas eram obrigatórias para todos os alunos da Licenciatura em Engenharia Eletrotécnica, quer os que optassem por Energia ou por Telecomunicações, as duas especializações então oferecidas. Para além disso, e quando fui aluno, Medidas Elétricas era a primeira das duas únicas disciplinas do Curso com componente laboratorial, o que significava que as necessidades letivas da SETME eram muito grandes. Não sei precisar, mas julgo que o corpo docente da SETME chegou a ser superior a 40. Até finais dos anos 1970, o Prof. Borges da Silva era o único Professor doutorado da Secção e sobre ele recaia a responsabilidade de todas as 6 disciplinas.

Entre 1973 e 1980 era normal que as aulas teóricas das Eletrotecnias e das Medidas fossem lecionadas pelo Prof. Borges da Silva e que as das Eletrónicas fossem asseguradas pelo Engenheiro Viegas Gonçalves que, conjuntamente com os então Engenheiros Medeiros Silva (em Londres, onde se doutorou pelo Imperial College em 1976) e Abreu Santos (doutorado pelo IST) eram os assistentes mais seniores não doutorados da SETME. Sendo o corpo docente constituído por monitores e assistentes, muitos dos quais convidados, o Prof. Borges da Silva, que sempre dedicou talvez a sua principal atenção ao ensino, dirigia reuniões semanais de preparação do corpo docente para as aulas da semana(s) seguinte(s). No caso das Eletrónicas I e II, primeiras disciplinas que lecionei, essas reuniões incluíam uma sessão em que um dos docentes fazia uma apresentação das aulas práticas que iria lecionar. Lembro-me, bem, dos conselhos que então recebi, nomeadamente do Prof. Borges da Silva, que iam desde os aspetos mais técnico-científicos aos pedagógicos. Eram, de facto, ações de formação do corpo docente semanais, complementadas por vários seminários sobre temas específicos, mais avançados, que o Prof. Borges da Silva nos proporcionou ao longo dos anos, o último dos quais sobre Mecânica Quântica, que incluiu várias álgebras, como a de Clifford, essenciais à sua descrição matemática. Lembro-me, muito em particular, de um seminário, de várias sessões, que o Prof. Borges da Silva lecionou sobre Alta Tensão, creio que em 1976, por ocasião da instalação das linhas de 400 kV na rede de distribuição de energia Portuguesa. Como noutros casos, o tema do seminário havia sido "pedido" por vários assistentes que trabalhavam, também, na EDP. Se não foi um dos impulsionadores do seminário, o Engenheiro Mira Amaral, que era então também assistente na SETME, foi um dos que o frequentou, creio que na
totalidade. Havia uma relação de proximidade entre o Prof. Borges da Silva e a EDP, a que não seria estranho o facto de muitos dos quadros técnicos da EDP serem, ou terem sido, assistentes na SETME.

Pode-se dizer que o Prof. Borges da Silva foi o percursor das ações de formação ao longo da vida, contribuindo, decisivamente, para a atualização da formação técnica, tecnológica e científica dos engenheiros da EDP.

De uma avidez quase ilimitada por conhecimento, e com uma capacidade de estudar e compreender profundamente temas das mais diversas áreas, incluindo, naturalmente da Engenharia Eletrotécnica, o Prof. Borges da Silva desde cedo, e sempre, se preocupou pela formação dos mais novos, nomeadamente dos seus colegas mais da SETME. A sua contribuição para a criação do Centro de Eletrotecnia da Universidade Técnica de Lisboa (CEUTL), nos anos 70, permitiu estabelecer uma estrutura para enquadrar em projetos de investigação e suportar os doutoramentos de vários dos assistentes que optaram pela carreira académica: Humberto Abreu Santos, Maria Teresa Correia de Barros, José António Brandão Faria, Vítor Maló Machado, Mário Ventim Neves, Artur Lopes Ribeiro e eu somos aqueles cujo doutoramento foi realizado sob a orientação do Prof. Borges da Silva.

Com o Prof. Borges da Silva partilho não só a aptidão pelo conhecimento pluridisciplinar, mas, também, o gosto pela prática, por "meter a mão na massa", pela experimentação. A tese de doutoramento do Prof. Borges da Silva, sobre amplificadores paramétricos, envolveu uma componente teórica, mas, também, uma forte componente experimental. Para isso, foi-lhe necessário construir todos os componentes de que não pode dispor, o que envolveu não só a realização de circuitos eletrónicos, mas, também, a construção mecânica desses componentes.

Para essa construção, requerendo o recurso a mecânica de precisão, o Prof. Borges da Silva utilizou, ele próprio, as máquinas então existentes nas Oficinas do IST. Foi também com o Prof. Borges da Silva que percebi, melhor, o que era ser Engenheiro. A minha vocação sempre foi resolver problemas práticos reais - missão última de um engenheiro - mas com o Prof. Borges da Silva percebi que a boa prática da engenharia assenta no conhecimento técnico-científico pertinente, mas, também, em vários outros pilares - como a ética e a deontologia - e envolve várias componentes, como o trabalho em equipa, a organização do trabalho e do tempo e a concretização dos objetivos em tempo útil. A primeira "lição" sobre este assunto recebi-a na primeira frequência de ETI; convencido que tinha resolvido completa e corretamente todas as questões, foi com admiração que vi na pauta a minha nota: 15 valores! Surpreendido, e seguindo o protocol in illo tempore, disse ao "Prof. Narciso" - assim chamávamos ao senhor Narciso, que desempenhava as funções de Contínuo no Pavilhão de Eletricidade - que precisava de falar com o Prof. Borges da Silva, tendo ele providenciado aquele que seria o nosso primeiro encontro. Abreviando, o "único" erro da minha prova era o valor da capacidade de um condensador para compensação do fator de potência: deveria ser 15 pF e eu escrevi C=15 F dentro de uma "caixa", como usualmente fazia para identificar a resposta, sem qualquer comentário. Convém relembrar aos mais novos que em 1971, ano em tudo se passa, não havia máquinas de calcular para utilização dos alunos e que todas as contas eram feitas à mão recorrendo a uma régua de cálculo, competindo-nos manter o "controlo" sobre as potências de 10 - coisa que, por distração, eu não havia feito, mas sem ter notado a "impossibilidade" do valor. Como provavelmente a generalidade dos alunos faria, interroguei o Prof. Borges da Silva: mas quanto vale esta alínea? Resposta: "Girão, a questão não é quanto vale a alínea, mas quão grave é este erro. Daqui a poucos anos, o Girão será Engenheiro e não é aceitável indicar este valor para a capacidade do condensador". Continuou o Prof. Borges da Silva dizendo que embora não fosse o caso, erros de cálculo, como este, podem ter consequências muito graves, tendo dado como exemplo crítico o abatimento da cobertura das plataformas da estação de comboios do Cais do Sodré que, uma
década antes, em 1963, havia originado cerca de meia centena de mortos. O cuidado com os
cálculos e o espírito crítico que importa ter sobre os resultados obtidos - fundamentais em
Engenharia - foram conceitos que não mais esqueci e que não me cansei de transmitir aos
meus alunos ao longo dos meus quase 50 anos de docência!