Professor Fernando Rebelo Simões

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Nota Biográfica do Professor Fernando Rebelo Simões (1929-2022)

Fernando Eduardo Rebelo Simões nasceu a 17 de Maio de 1929. Concluiu o 7º ano do Liceu Pedro Nunes em 1947 e a Licenciatura em Engenharia Eletrotécnica do IST em 1954. Depois do serviço militar obrigatório, torna-se em 1956 Bolseiro da Comissão de Estudos de Energia Nuclear (CEEN) do Instituto de Alta Cultura (IAC). A CEEN do IAC tinha sido criada em 1954, tal como a Junta de Energia Nuclear (JEN), no decorrer de uma iniciativa política para a potenciação do aproveitamento dos recursos de urânio do País, tendo como umas das suas missões a formação de pessoal, a todos os níveis, para a JEN e para os vários Centros de Estudos da CEEN. O Prof. Rebelo Simões iniciou o seu percurso como bolseiro da CEEN do IAC no Centro de Estudos de Física da CEEN (anexo ao Instituto Português de Oncologia), tendo transitado pouco depois para o Centro de Estudos de Eletrónica (CEE) da CEEN, situado no andar superior do Pavilhão de Eletricidade do Instituto Superior Técnico e dirigido pelo Professor Abreu Faro.

Em 1960, a par da sua atividade a tempo inteiro como Investigador do CEE/CEEN, iniciou também lecionação como 2º Assistente a tempo parcial do IST, encarregado de regência em 1964/67, na disciplina de Física Complementar com o Prof. António da Silveira. Durante este período desenvolveu interesse na área de Estimação Espectral e Análise de Sinais, tendo no fim dos anos 1960, também como bolseiro do IAC, tido uma estadia de várias semanas na Universidade de Princeton para, junto de John Tukey, recolher material e ideias para uma tese de doutoramento. Concluiu em 1972 a sua tese de Doutoramento, nas condições difíceis típicas da época, sobre o bispectro, uma técnica de análise espectral de ordem superior. (A sua discussão de tese ficou na altura notável pela invasão por alunos do IST, relacionada com a presença no júri de um representante do Reitor da UTL e no contexto das lutas estudantis da época, de uma das sessões da discussão.) Durante todo este período dinamizou no Centro de Eletrónica um atividade notável nestas áreas, cativando e estimulando jovens estudantes para elas e criando-lhes condições para percursos profissionais, em particular para estudos académicos no estrangeiro. São memoráveis as longas conversas que mantinha sobre as questões técnicas da Análise de Sinais e Estimação Espectral. Nomes que passaram pelo CEE/CEEN nesta altura com futuras carreiras académicas incluem os de Alexandre Cerveira, José Fonseca de Moura, José Alberto Tomé, José Tribolet, Luís Borges de Almeida, Guilherme Arroz e Vítor Vargas.

O Prof. Rebelo Simões foi um dos pioneiros na introdução em Portugal de meios computacionais para Análise Espectral, nomeadamente um computador HP com um motor de FFT de 256 pontos (HP 7471A?) adquirido por volta de 1971, onde foram realizados alguns dos muito provavelmente primeiros trabalhos de análise de sinais em Portugal. Um deles foi o dos então estudantes Luís Borges de Almeida e Guilherme Arroz sobre o cepstrum, uma técnica de análise introduzida por John Tukey para a detecção de estruturas periódicas (p.ex., decorrentes de reflexões ou ecos) em espectros de frequências. Além destas, o Prof. Rebelo Simões explorava a aplicação da Análise de Sinais a áreas como a Fonética e a Fonologia através de colaborações com investigadores da Faculdade de Letras da Universidade de Lisboa, e a exploração sísmica, através da colaboração com investigadores do LNEC. Um exemplo desta acividade pode ser vista nas capas anexas de comunicações ao II Simpósio sobre as Teorias da Informação e dos Sistema, ocorrido em Setembro de 1972 (com agradecimentos a Orlando Serrenho).

Em 1968 a CEEN propôs, no âmbito do III Plano de Fomento, a ampliação das suas instalações no IST, no que iria dar origem ao Complexo Interdisciplinar (CI). O CI estava organizado em laboratórios, um dos quais, o Laboratório de Análise de Sinais, teve origem a partir do CEE/CEEN e foi planeado e dirigido pelo Prof. Rebelo Simões. Para este laboratório, o Prof. Rebelo Simões teve a visão de juntar as vertentes de Análise de Sinais e de Acústica, promovendo a aquisição e instalação de uma câmara anecóica acústica, na altura provavelmente única em Portugal, e de um valioso e completo conjunto de transdutores acústicos e equipamento de análise espectral analógica da marca Brüel&Kjær, também único em Portugal. Paralelamente, o Prof. Rebelo Simões coordenou a constituição e manutenção de uma biblioteca de referência na área da Análise e Estimação Espectral, Análise de Sinais, Teoria da Comunicação e Teoria dos Processos Estocásticos, primorosamente mantida, contendo um completo conjunto das obras fundamentais nestes domínios.

Na sequência da reestruturação da investigação científica em torno de Centros ocorrida em 1975, o Prof. Rebelo Simões elaborou, conjuntamente com o Prof. José Fonseca de Moura, a proposta para o Centro de Análise e Processamento de Sinais das Universidades de Lisboa (CAPS). No CAPS, o Prof. Rebelo Simões continuou a oferta de condições de acolhimento para jovens investigadores, nomeadamente os que tinham entretanto regressado a Portugal após a finalização de doutoramentos ou outro trabalho científico no estrangeiro, tais como Nelson Lemos Esteves, António Francisco Ferreira dos Santos, José Fonseca de Moura, João Sentieiro, José Manuel Leitão, José Luís Bento Coelho e José Tribolet. Ao mesmo tempo que continuou as iniciativas de colaboração externa na área da Fonética e Fonologia, onde se notabilizou Francisco Lacerda, desenvolveu uma ação de colaboração com a Direção Geral do Ensino Básico para o apoio técnico ao ensino de estudantes com deficiência auditiva profunda, materializada através de um protocolo de colaboração Luso-Sueco para a formação básica em audiologia no CAPS de um conjunto de engenheiros recém-licenciados com posterior frequência de um estágio na Suécia, com uma subsequente contribuição notável para o suporte técnico de escolas de Ensino Especial. Este conjunto de engenheiros posteriormente diversificou em percursos notáveis a sua atividade profissional e académica, em áreas incluindo a Acústica e a reabilitação de deficientes profundos.

Ao mesmo tempo, o Prof. Rebelo Simões nunca descurou a componente humana da interação com o seu entorno, em particular criando condições para os seus colaboradores que se iniciavam em funções de suporte técnico terem condições para progressão profissional, nomeadamente para estudos superiores na área da engenharia.

Em 1972 o Prof. Rebelo Simões obteve a posição de Equiparado a Professor Auxiliar no IST, de novo sendo pioneiro na transferência para o ensino dos tópicos que desenvolvia na sua atividade de investigação. O primeiro caso, de certa forma circunstancial, ocorreu quando durante um ano em que foi responsável pela regência da disciplina de Fundamentos de Telecomunicações do curso de Engenharia Eletrotécnica do IST aí introduziu o tópico da Teoria Estatística da Comunicação (à la Van Trees). Mais sistematicamente, criou em 1973 as disciplinas de Métodos de Análise Espectral e de Introdução à Teoria Estatística da Comunicação como opções do último ano do mesmo curso. Adicionalmente, teve o pioneirismo da criação em 1976 das disciplinas de Acústica I e II, área posteriormente transferida para o Prof. José Luís Bento Coelho após a conclusão do seu doutoramento no Reino Unido.

O Prof. Rebelo Simões obteve em 1980 a posição de Professor Associado do IST, com nomeação definitiva em 1985, e de Professor Catedrático em 1986, tendo entretanto obtido o grau de Agregação em 1983.

Apesar de não ter tido descendentes científicos diretos em termos de estudantes doutorados, o Prof. Rebelo Simões teve uma intervenção fundamental na orientação e criação de oportunidades para todo um conjunto de jovens estudantes e recém doutorados, quer da vaga inicial de doutorados no estrangeiro na década de 1970, quer da segunda geração de doutorados, filhos científicos daqueles.
Sob a sua orientação, o CAPS foi uma autêntica incubadora de recursos humanos que deram origem a instituições marcantes na vida científica nacional, tais como o INESC, o Centro de Matemática Aplicada das Universidades de Lisboa, o Instituto de Telecomunicações e o Instituto de Sistemas e Robótica.

A par da sua atividade profissional, o Prof. Rebelo Simões era uma pessoa com profundos interesses culturais, literários e musicais, tendo construído uma coleção notável de Banda Desenhada e de registos sonoros de jazz. Fica também inesquecível o seu trato afável e o seu permanente sentido de humor, com o seu gosto e jeito notável por trocadilhos.

A atividade do Prof. Rebelo Simões estabeleceu uma longa teia de ligações que perduram e nos afetam de uma forma indelevelmente positiva até aos dias de hoje. Olhando para o seu percurso, vê-se a vida de um precursor de modernidade e de um homem bom e íntegro, numa permanente postura de generosidade para com os outros.